Não imaginem que penso que esse "extermínio" referido é protagonizado pela polícia. A polícia é comandada por uma casta econômica e intelectual que há décadas "reina" na política, na economia, na universidade e em todos os lugares que se tomam decisões. Mudar essa cultura, certamente, não depende apenas dos policiais. Mas a polícia e os policiais precisam perceber que são os únicos que estão pagando a conta pelos excessos. Precisam, portanto, mudar.
1. “Se a opinião da maioria das pessoas não é favorável à forma de atuação das polícias, existe um grupo cuja opinião é particularmente desfavorável e este é o grupo dos "não-brancos". Os motivos desta desconfiança estão baseados em grande medida na experiência própria ou no conhecimento do trato das forças policiais com relação aos negros e mulatos.”..... “As diferenças nas opiniões quando dividimos a população por cor são bastante sintomáticas: enquanto brancos referiram-se mais aos problemas da ineficiência e da corrupção, negros e mulatos relacionavam a polícia à questão da violência por ela praticada: somente 11% dos brancos, em contraste com 20% dos negros, revelaram sentir medo da polícia. Na pesquisa feita depois de Diadema, em abril de 1997, o medo da polícia também foi maior entre os entrevistados não brancos. Este medo estaria relacionado à opinião de que os policiais, quando entram em ação, "são violentos", "ferem pessoas inocentes nos tiroteios", "abordam qualquer pessoa e confundem bons cidadãos com bandidos" ou ainda "só abordam os negros". “...a pesquisa de vitimização de dezembro 1997 feita em conjunto pelo Datafolha e o Instituto Latino Americano das Nações Unidas para a Prevenção ao Delito e Tratamento do Delinqüente - ILANUD - corrobora estes padrões: quando conversam sobre o tema violência, a referência à polícia nas conversas é maior entre os negros, especialmente no aspecto violência e abuso de poder. Com efeito, quando os entrevistados foram perguntados em 1995 se sentiam mais confiança do que medo, ou mais medo do que confiança da polícia, os negros apresentaram a maior taxa de "mais medo do que confiança", tanto no que se refere à Polícia Militar quanto à Polícia Civil. A mesma tendência se manteve quando a questão foi repetida em abril de 1997, pós Diadema. Entre os negros, aliás, muitos revelaram ter mais medo da polícia que dos próprios bandidos. A proporção dos que dizem ter mais medo da polícia do que dos bandidos aumenta entre aqueles que já foram parados alguma vez para serem revistados. Como os negros são, regra geral, mais abordados pela polícia do que os demais, este fator deve ter contribuído para a expressiva proporção de negros que revela ter mais medo da polícia que dos criminosos.” (cel. PM/SP, Carlos Alberto de Camargo, internet, Os Negros e a Polícia: recuperando a confiança mútua).
2. “Principais vítimas da violência urbana, alvos prediletos dos homicidas e dos excessos policiais, os jovens negros lideram o ranking dos que vivem em famílias consideradas pobres e dos que recebem os salários mais baixos do mercado. Eles encabeçam, também, a lista dos desempregados, dos analfabetos, dos que abandonam a escola antes de tempo e dos que têm maior defasagem escolar.” “A insegurança é outro terrível flagelo que afeta os jovens negros, em especial os homens; eles são os principais alvos da criminalidade violenta. Segundo estimativas da Disoc/Ipea, a partir de dados do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (Datasus), em 2000, a taxa de vítimas de homicídio de jovens negros era de 74,1 por 100 mil habitantes, bastante superior à observada para os brancos da mesma idade, de 41,8 por 100 mil habitantes, nos últimos dez anos, esse índice aumento em 31%.” “É neste contexto que se enquadra o extermínio da juventude negra no Brasil. Esse quadro de exclusão social e racial é causa de uma realidade de morte para os jovens negros e negras, que por um lado destrói famílias e perspectiva de futuro de uma geração de jovens e, por outro, gera lucro e audiência para programas policiais sensacionalistas que banalizam a morte de jovens colocando-os como os grandes algozes da violência urbana e esteriotipando o jovem negro e pobre como um potencial suspeito de atos infracionais. A juventude negra é maldosamente colocada pela grande mídia como o fator principal da violência em nossa sociedade, mas na verdade essa juventude é a principal vitima desta sociedade racista e desigual. A cada caso de violência em que as forças de segurança culpam um jovem negro ou negra ocorre uma verdadeira campanha pela redução da maioridade penal e pela revisão do Estatuto da Criança e Adolescente....” (Deputada Rachel Marques, Assembléia Legislativa do Ceará, 26 de novembro de 2009.
3. Adolescente negro tem quase três vezes mais risco de ser assassinado que o branco“O risco de ser assassinado no Brasil é 2,6 vezes maior entre adolescentes negros do que entre brancos. É o que revela estudo divulgado pelo Observatório de Favelas, pela Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República, pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e pelo Laboratório de Análise da Violência da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj).”
Precisamos criar políticas públicas que não discriminem os negros e que os incluam nos mesmos espaços que são garantidos àqueles segmentos economicamente mais favorecidos. Os policiais precisam conhecer a história dos negros no Brasil e o tratamento desumano que receberam desde que aqui chegaram. Só assim aprenderão a respeitá-los como respeitam os demais.
O tema da desigualdade racial ainda é tratado de forma incipiente nos órgãos de segurança pública do país, em especial no que tange ao momento da formação policial. Sabe-se que essas abordagens são realizadas de formas variadas, através de eventuais palestras e, na maioria das vezes, com superficialidade que não afronte a cultura ainda sustentada no país de uma suposta “democracia racial”.