A violência que apoiamos e praticamos é a mesma que nos mata.
Não existem cidadãos do bem e do mal.
Existem condições diferenciadas que mantém um fosso entre grupos de brasileiros,
assim como privilégios injustificáveis para uma minoria em detrimento da maioria.
O debate sobre violência e criminalidade no Brasil
tem sido balizado pela incapacidade das organizações policiais de enfrentá-los
como se fossem únicas responsáveis para garantir a paz entre os cidadãos. Os
brasileiros foram aculturados para acreditar que possuem o direito sagrado de
segurança pública, independente da forma como se conduzem nas relações
interpessoais e no convívio social.
Nossos cidadãos têm deixado de lado outras ações/condições
que deveriam ser observadas, muitas delas de sua responsabilidade que acabam
sendo multiplicadoras de conflitos sociais. Apegam-se a máxima de que tudo o
que faz é lícito e justificável, para garantir seus direitos individuais, enquanto
os abusos e atos ilícitos tendem ser visto nas ações praticados pelos outros.
Nossa consciência de responsabilidade social é mínima. Insistimos acreditar que
a responsabilidade do que é comum e público é apenas do Estado. A ele compete manter a cidade limpa,
organizada, iluminada, com trânsito fácil, com escolas, postos de saúde, e
tantas outras necessidades. A nós, ainda acreditamos, compete usufruir desses
direitos apesar de jogarmos lixo no chão, danificar praças, prédios e
iluminação pública, dentre outros, sem nenhum compromisso de mantê-los íntegros
e auxiliar na sua conservação.
Evidente que nada de novo esta sendo dito. Mas também é
certo que os brasileiros não admitem esta realidade. Eventualmente uma notícia
ou comentário aqui ou ali, mas sempre apontando para a prática danosa dos
outros. Nas causas que destaco como verdadeiras e causadoras da nossa violência
de cada dia é possível sustentar que discriminação
racial e econômica, corrupção e (má) gestão governamental são os verdadeiros responsáveis pelos índices de
violência e criminalidade brasileira. Temas que podem ser classificados
como “debates tabus” mascarados em parte pela hipocrisia daqueles que são
beneficiados por esse processo conservador
e pela ignorância de parte da população que, nas palavras da mídia, “exige
mudanças efetivas” ao invés de participar de debates consistentes sobre essas
questões de forma a enfrentá-las de forma democrática num processo estratégico
a médio e longo prazo, de forma que possamos chegar em algum novo objetivo e
não continuar consumindo verbas milionárias para ações paliativas que se
repetem de forma cíclica.
Objetivo com o escrito/provocação atrair simpatizantes a
pensarem no efetivo papel da polícia e na necessidade de compreenderem a
necessidade de debaterem a exaustão o que discriminação, corrupção e gestão
governamental afetam o desenvolvimento brasileiro, em especial os índices de
violência. Discutir a necessidade de revisão no pensamento e nas condutas de
cada indivíduo de forma que se comporte para conviver numa sociedade onde seja
o respeito à lei e a responsabilidade por zelar pelas condições de paz. Tornar
o assunto mais visível e compreensível enfrentando os estereótipos produzidos
pelos “especialistas em segurança pública” que reduziram a questão da violência
e insegurança apenas a incompetência do aparato policial. Interesses políticos
e escusos que impedem a estruturação de debates ampliados que atentem para a
conjuntura nacional, orientando para novas práticas que possam resultar na
redução dos índices existentes, ao invés de pirotecnias temporárias.
Este ensaio irá referir temas do cotidiano
originados da convivência nas relações funcionais e políticas de quem trabalhou
com a administração da segurança durante três décadas sem ocupar posição
institucional de comando. Porém, sempre coordenando e executando atribuições
autônomas e dirigidas ao público e a própria categoria funcional. Esta vivência
diagnosticou muitos equívocos por aqueles que eventualmente comandam a política
de segurança e possuem uma visão apequenada,
quando não desconhecida, do que decorre do pouco domínio da questão já que,
majoritariamente, tratam do tema polícia e segurança por pequenos períodos da
vida, se auto proclamando especialistas, para sugerir experimentos que não
enfrentam a essência da questão, já que servem para dar visibilidade ao
exercício político das funções que ocupam ou para qual pretendam ser
escolhidos.
A proposta ao invés de discorrer de forma parecida
com a maioria dos escritos nacionais sobre o tema pretende desafiar alguns pré-conceitos
defendidos como se fossem verdadeiros e que alimentam diariamente a mídia
descompromissada com a verdade, assim como apontar situações que a sociedade
insiste em não querer registrar.
Não se tratando de uma obra cientifica exercitará a
análise de práticas da vida real,
algumas situações de domínio público travestidas de “esclarecimentos oficiais”,
ou de notícias publicadas na mídia nacional que simplificam a questão na
violência a jovens pobres, oprimidos e a maioria da população negra. Ou a
polícia que ora é violenta, corrupta, ora é salvadora e dedicada, mas sempre
“culpada” por não conseguir reduzir os índices criminais, como se apenas a ela
competisse essa obrigação.
Claro que este ensaio (identificação mais modesta
impossível) irá encontrar algum “especialista” que tentará desconstituí-lo com
sua eloquência e pouca vivencia na área amparado por uma mídia que “vibra” com
esse estado de coisas. Polícia e violência são produtos de consumo pelo qual a
mídia nada paga e ainda recebe patrocínio. Violência e criminalidade alimentam
gratuitamente a maioria dos espaços noticiosos e programas populares de
razoável audiência e de péssimo gosto. Explicações sociológicas e filosóficas
não alteram a realidade política praticada e de domínio público, podem, quem
sabe, interpretá-las. No mesmo caminho estarão figuras que aprenderam
alguma coisa atuando em secretarias de governo, que do alto de seus “profundos
e insuspeitos” conhecimentos, com discursos óbvios, reagirão com indiferença as
impressões aqui transcritas.
Mas nada irá alterar a realidade onde vive o
cidadão brasileiro que não acredita nas autoridades constituídas, muito pouco
espera dos comandos das corporações policiais, e, menos ainda, de políticos e
administradores públicos que ao invés de reduzir e eliminar a criminalidade têm
contribuído de forma absurda para aumentá-la, principalmente quando descobertos
como multiplicadores de violências que afetam todo o sistema de desenvolvimento
do País.
Não se pretende indicar soluções e caminhos que
devam ser imediatamente seguidos, afinal, se os “poderosos constituídos” nada
conseguem modificar, não será este “ensaio” que ousara querer ensinar-lhes o
novo caminho. Porém, pretensiosamente, pretende desacomodá-los de afirmativas e
condutas que apenas lhes servem para garantia de seus empregos sustentados por
um discurso politicamente correto de poupar a população como se todos fossem
bons cidadãos e inocentes da violência que os constrangem.
Depois de tantos anos atuando em vários níveis da
estrutura voltada a segurança pública, sem cabresto e medo, com profunda
indignação pela forma discriminatória e preconceituosa como são tratados os
pobres, negros e os policiais, emitirei opiniões e desafios aos “pretensos
donos da verdade” para que revejam seus pré-conceitos e proponham discussões
mais comprometidas com a verdade.
É o registro de quem desempenhou uma carreira
profissional vigorosa, com inserção em debates internos na atividade policial e
externo com a população, sempre acreditando ser possível mudanças na área. Mas
deparou-se com experimentos impostos que nunca quiseram enfrentar o tema discriminação racial e econômica
(pobreza), corrupção e má gestão governamental.
Este escrito tem como alvo pessoas que desejam
entender porque a violência não reduz. Outras que foram vitimadas pela
violência e policiais da base das organizações policiais tratados como
“subalternos” quando na verdade são protagonistas principais na defesa da
sociedade, e que diariamente atuam no exercício de uma atividade sensível e
violenta que nunca resulta no atingimento de suas metas de redução e controle
da violência. Expectativas profissionais limitadas, condições de trabalho
deficitárias, sendo desrespeitados pelo estado e pelos cidadãos, de forma que sobrevivem
a estas adversidades procurando a valorização e o reconhecimento.
Importante afirmar que discriminação racial e
econômica, corrupção e má gestão governamental compõem o quadro da cultura
nacional que afeta todos os cidadãos e todos os servidores públicos, em
especial os policiais. Como fiscais da Lei, executores de compromissos legais e
uso de arma e da força, expostos a uma fiscalização ampliada das organizações
sociais e indivíduos o que permite sejam avaliados e julgados, muitas vezes
falsamente, como um grupo de servidores de moral e práticas frágeis por
envolverem-se a todo o momento em situações conflituosas, essência de suas
atividades. Ao discorrer sobre os três itens estaremos afirmando que o policial
brasileiro, não se originando de outra cultura, é resultado de sua formação
familiar, de vida e profissional. Nunca será melhor ou pior do que os outros
cidadãos. Sempre atuará de acordo com os interesses de uma ou de outra parte
envolvida nos conflitos de interesses por ele mediado a partir da observância
da Lei.
É, portanto, fundamental que o esforço aqui despendido
possa ser compreendido apenas como o manifesto em busca de um Brasil mais justo
que tenha coragem de fazer os diagnósticos certos para que possa encontrar
políticas públicas que venham ao encontro dos anseios de qualquer cidadão. De
forma que não tenhamos que classificar cidadãos como do bem e do mal, situação
que violenta a igualdade, direitos e deveres dos quais todos devem recepcionar
em igual medida. Obrigação e compromisso do Estado brasileiro.
A discriminação racial e econômica, e má gestão
governamental é o tripé que sustenta a tese de responsabilização dos
governos pela crise na segurança brasileira.