Apreendi que, equivocadamente, o Brasil reconhece como “autoridade” nas polícias os oficiais e delegados. Mesmo que não sejam eles que efetivem o trabalho junto à população. Recebem os maiores investimentos na qualificação, no treinamento, na capacitação e na atenção do que os agentes policiais (militares e civis) que prestam o serviço diretamente a sociedade.
Conseqüentemente, pelo exposto, não proponho uma cisão entre superiores e subalternos. O que quero afirmar é que o Estado precisa entender que qualquer mudança que possa ser pensada ou gerada que vise à eficácia da atividade policial, com a redução da violência e da criminalidade (homicídios), ampliando a satisfação da população com o trabalho dessas forças policiais deverá passar por um DIAGNÓSTICO que garanta aos servidores policiais de base receber investimentos prioritariamente como forma de serem sensibilizados das novas concepções fazendo-as fluír para a prática operacional.
O quadro policial brasileiro, agentes de policia e “praças” das policiais militares, em sua maciça maioria são mal selecionados, precariamente formados e não recebem capacitação permanente. Os governantes, muitas vezes equivocadamente orientados, investem em grandes eventos de capacitação no qual apenas um grupo seleto, distantes da operacionalidade, tem acesso se beneficiando de um conhecimento que não transmitem a coletividade policial. Esta ação se repete exaustivamente.
Na elaboração do PRONASCI foi constituída a ação 17 que deveria incentivar o atendimento de saúde dos policiais. Todos que têm alguma afinidade com esses servidores sabem da urgência e da necessidade desesperadora existente para que alguns serviços preventivos aconteçam imediatamente. Parecia que o PRONASCI, um programa focado na busca de resultados rápidos, teria condições de atender esse anseio. Curiosamente a velha cultura dominante de grandes eventos obstaculizou essa realização já que a dualidade de comando deixou de lado o interesse coletivo pela disputa do protagonismo.
O Ministro da Justiça lançou o programa que financiaria ações imediatas de atendimento preventivo e “socorro” aos servidores da área de segurança pública, mas a área técnica, sem a mínima noção da urgência desses atendimentos, optou por transferir verbas para que diagnósticos continuassem a ser realizados. As ações pactuadas com governadores e ministro foram relegadas porque “os técnicos” assim preferiram, desconhecendo “a vida real”.
Creio que é "jogar dinheiro no lixo" dar treinamento e equipamentos para um servidor policial que não recebe avaliação e acompanhamento físico e psicológico. Ele, com maior potencialidade, continuará agindo da mesma forma e cometendo os mesmos erros. E o órgão estatal que consumiu a verba apresenta números “afirmando que capacitou tantos servidores”.
A modernização das instituições de segurança pública, ação 07, acabou se transformando na mesma ação que já era desenvolvida. Mais equipamentos para as organizações. Aquilo que elas sempre quiseram. Qual foi o problema? Enquanto o PRONASCI afirmava, por sua concepção, que os equipamentos deveriam estar atrelados a mudança de posturas dos servidores policiais, portanto, sua concessão decorreria do comprometimento dos comandos em oportunizar as mudanças, para alguns técnicos apenas importava a compostura do termo de convênio.
De outra forma há uma crença nacional de que a mudança no serviço policial é apenas uma questão de erro ou acerto. Ainda não vingou o entendimento de que se trata de um processo de mudança cultural. Ocorrerá, portanto, num período de médio e longo prazo.
Ações táticas e pontuais apenas servem como mantenedoras da política governamental para o desenvolvimento de uma estratégia (macro) que realize as mudanças que são necessárias.
Assim sendo quero crer que reduzir os homicídios é uma ação tática que deve ser pensada dentro da estratégia de mudar a concepção da polícia aos olhos da população e a ação dos servidores do estado na forma como compreendem e usem o “poder de polícia” que lhes é concedido pelo estado.
A proposta de reduzir os índices de homicídios atrela-se a necessidade de revisar regimento constitucional que afirme ou reafirme a “especialização” de cada grupo de servidores. Para que exercitem com vigor, eficiência e eficácia seu papel. Não se deve permitir que se dispersem nesta ou naquela atuação, conforme seu interesse particular ou de sua corporação deixado de lado o interesse coletivo.
Exemplo disso é o fragilizado debate sobre o “ciclo completo de polícia ou ciclo completo mitigado”. Se desejarmos evitar que o crime aconteça deveremos reforçar a prevenção. Quando o crime ocorre já houve a falha do estado. Já deixou de cumprir a parte mais nobre de seu papel que é o de garantir a integridade das pessoas. Evitar que o dano aconteça e ampliar a capacidade de atuação preventiva das policiais é, na realidade, o que deve ser perseguido. Deixar que disputas de interesses pessoais ou coletivos quando não corporativos prevaleçam sobre o interesse coletivo é um erro.
Os crimes de homicídios não se multiplicam porque não há elucidação daqueles ocorridos. Eles se ampliam, principalmente, pela falta de prevenção. A inexistência deste caráter preventivo se percebe pela própria lei processual que oferece infindáveis recursos para quem é declarado culpado; pelas condições de encarceramento que não oferecem nenhuma abordagem recuperativa dos apenados e reincidentes; pelo abandono social de jovens na faixa etária onde são as maiores vítimas e os maiores causadores de mortes; pela fragmentação do “pseudo” sistema judiciário (polícia, ministério público e justiça, defensoria pública e sistema prisional); pela cultura de violência difundida pela mídia e, finalmente, pela total inexistência de uma compreensão do papel das polícias. Não sabe a polícia militar, constitucionalmente de caráter ostensivo e fardado, assim como a polícia civil, de ação repressiva, que também devem atuar de forma PREVENTIVA. Ou seja: toda e qualquer ação não irá se findar nela própria. Servirá como elemento instrumentalizador de novos caminhos que evitem a repetição de outros procedimentos delituosos. Um individuo egresso do sistema prisional deve ser acompanhado porque irá, certamente, novamente delinqüir. E o mais incrível, com o mesmo "modus operandi”.
Suspeito ser de puro interesse privado ou corporativo a tese de ciclo completo. O que precisamos para a redução dos homicídios me acreditam, dentre outras coisas é:
a) qualificar os servidores policiais operacionais, militares e civis, nos aspectos de conservação de local de crime, equipe de investigação e homicídios de pronto atendimento, estabelecimento de responsabilidade individual (equipes) pela elucidação de crimes, compartilhamento da responsabilidade investigativa entre a delegacia especializada de homicídios e o distrito policial onde o fato ocorreu;
b) redução das delegacias especializadas com a concentração na especialização de homicídios com servidores capacitados e vocacionados para esse tipo de missão;
c) ampliação do número de policiais e melhoria nas condições materiais dos distritos policiais para que realizem o cadastramento e monitoramento preventivo de indivíduos e quadrilhas que atuam em suas áreas de atuação, para que não sejam surpreendidos por ações previsíveis;
d) pela integração organizacional (informações e área de atuação), e operacional entre as policiais militares, civis e serviço pericial;
e) monitoramento rígido sobre a conduta e os métodos investigativos dessas delegacias especializadas e de seus servidores, realizando diagnósticos de atuação, resultados, dificuldades, necessidades, etc.
É de vital importância a compreensão de que a qualificação aos servidores policiais para a investigação, locais de crimes e outros cursos, ocorram de forma regionalizada e com grupos integrados pela área se atuação. Um curso realizado em Brasília com cem ou duzentos participantes, sobre investigação de homicídios, não terá o resultado semelhante aqueles realizados na região selecionada, foco do programa. No terreno e com os integrantes da perícia, civil e militar, haverá não só o aprendizado e a modernização dos procedimentos investigativos como a tão desejada integração e troca de informações. Além disso, ocorrerá a visibilidade necessário para a população e a mídia sobre os investimento governamentais. Ocorrerá, ainda, a adequação do treinamento para a realidade local, já que isso difere nas regiões.
Está provado que que só a mudança de procedimentos da polícia, mesmo que de forma lenta, já baixa os índices de homicídios. Mesmo tratando-se de uma ação tática pontual acabara por auxiliar no andamento do processo estratégico macro. Veja Rio de Janeiro. Com tanques e militares e com as Unidades Pacificadoras, portanto, apenas com ações policial, já altera a percepção social de que as ações são corretas e resultantes de mais paz.
Mas qual foi à dificuldade do Rio para implementar as UPPs? Necessitava de novos policiais, sem vícios, para implementar o programa. Qual é o próximo problema do Rio de Janeiro? As UPPs correm o risco de tornar os bons policiais em milicianos oficiais. Se os programas sociais não ingressarem em peso naquelas áreas, descompromissando os policiais de atividades que não são de suas atribuições, passarão a organizar aquele grupo social. Deixarão de garantir a segurança das pessoas para se intrometerem em suas vidas. De forma um pouco cética, mas real poderemos dizer que está acontecendo no Rio o que sempre aconteceu em qualquer lugar deste País. A Polícia mais uma vez entrou nessas áreas abandonadas pelo Estado enquanto que as garantias sociais permancem distantes daquela população.