"James Bond já surfou ondas de três metros para alcançar praias inimigas. Assim, por que um terrorista não poderia voar de asa-delta da Pedra da Gávea até o Riocentro, descer lá armado de bazucas e eliminar meia dúzia de chefes de estado?
Vai daí, o Exército
proibiu voos de asa-delta em todo o espaço aéreo da cidade durante a
Rio+20.
Com segurança não se
brinca, dizem.
Reparem, porém: o
sujeito teria que trazer a arma de algum lugar, circular pela cidade, carregar a
coisa até a Pedra, voar e descer no Riocentro, tudo isso sem ser percebido e
interceptado. Ninguém desconfiaria. E com todos aqueles soldados e policiais,
brasileiros e estrangeiros, que estão na cidade e, concentrados, no local da
conferência? Só se fossem muito incompetentes, não é mesmo?
Mas proibindo todos
os voos, em todo o Rio, qualquer um que passar de asa-delta torna-se suspeito.
Fica fácil para a segurança. E atrapalha a vida de quem gosta de
asa-delta.
Dirão que esse é um
aspecto menor e que, afinal, o pessoal pode ficar uns dias sem voar, em nome da
segurança que garanta um bom evento no Rio.
O problema é que
esse tipo de comportamento se aplica a todo o evento. Não há qualquer esforço ou
qualquer planejamento para garantir a segurança e, ao mesmo tempo, causar o
menor dano possível aos moradores e visitantes.
Não está vetada
apenas a asa-delta. O espaço aéreo foi fechado. Até os inocentes voos da Ponte
Aérea sofrem restrição. Será que não conseguem detectar uma aeronave suspeita,
voando fora das rotas?
Só para lembrar:
todo mês de setembro tem a assembleia geral da ONU em Nova York, para onde se
dirigem mais de 100 chefes de estado. Sabem o que acontece com o tráfego aéreo?
Nada. Continua tudo normal nos três aeroportos.
Dirão: lá tem mais
aeroportos e mais pistas, de modo que fica mais fácil. Falso. Lá também há muito
mais voos por hora. A resposta é outra: mais equipamento, mais engenharia, mais
eficiência e empenho de não torrar a paciência dos moradores.
Outra: as comitivas
não podem ficar presas no trânsito carioca, claro. Saída simples: fecham-se vias
ou pistas, que se tornam seletivas para os carros credenciados. Assim, o não
credenciado fica horas e horas no trânsito, tendo ali ao lado pistas e vias
vazias, apenas vez ou outra ocupadas por uma comitiva. Será que não existe
engenharia melhor?
E, pensando bem,
quem precisa mesmo de segurança extrema? Hilary Clinton certamente é um alvo,
mas, com todo respeito, o chefe de estado de Tuvalu? Na verdade, nem precisa ser
chefe de estado. Autoridades menores gostam do aparato de segurança. Polícia e
Exército também gostam de exibir seu aparato.
Experimente passar
um tempinho ali no Forte Copacabana, por exemplo, onde há exposição e reuniões.
A autoridade vai deixar o local. Aparecem seguranças com terno preto, mesmo
quando são mulheres, e soldados com metralhadora. Motos param o trânsito, fecham
a rua, afastam as pessoas. Surgem os carrões, pelo menos três: um da segurança,
o da autoridade, outro da segurança. Param abruptamente, abrem-se as portas,
gritaria nos celulares. Chega o tal, sempre acompanhado, e todos vão entrando
rapidamente nos veículos, como se estivessem fugindo. Então, o grande
espetáculo: as portas batendo em sequência, as motos arrancam, os carros partem
em velocidade. Todos os seguranças com expressão de que estão tirando alguém de
um atentado.
E ali olhando, com
expressão de paciência obrigada, um homem de bermuda tomando sorvete, a mulher
ao lado de um carrinho de bebê, garotos esperando com pranchas, que, aliás,
ainda não foram proibidas. Não devem ter visto o filme do James Bond.
Grandes eventos
valorizam as cidades. Mas também exibem suas carências. Falta de equipamentos e
de planejamento cobram um custo da cidade e, sobretudo, de seus
moradores.
Sem contar as
contradições: a Rio+20 provoca aumento de emissão de poluentes só com os enormes
congestionamentos. E terem utilizado geradores a diesel no Riocentro é
inacreditável. E o etanol?
Na Rio 92, o governo
brasileiro encontrou a melhor maneira de fazer propaganda de uma energia
renovável bem nacional: os carros oferecidos às autoridades eram todos movidos a
etanol.
De lá para cá, a
tecnologia do etanol só melhorou. A produção de cana tornou-se mais eficiente e
sustentável, inclusive com a progressiva eliminação do penoso corte manual, as
usinas são mais produtivas, o etanol gera mais energia, sendo, pois, mais
econômico, e, ponto forte, o motor flex é um marco tecnológico. Também se
começou a produzir energia a partir do bagaço da cana. Mas na Rio+20, nem a
presidente Dilma vai de carro a álcool." O Globo, internet, CARLOS ALBERTO
SARDENBERG é jornalista.