"A polícia prende mal".

A cada dia fica mais claro que as questões policiais são tratadas e discutidas para atender as teorias e os "achismos" daqueles que escolheram ganhar a vida tratando do tema, sem ter se profissionalizado como policial. Ou seja, de longe, a partir de observações reunidas em posições normalmente cômodas, sem os compromissos e as pressões decorrentes do exercício diário da atividade elaboram teses e manifestam profecias afirmando saber como tornar a polícia mais eficiente e organizar referida questão no Brasil.

O mais absurdo dessas afirmativas é que alguns desses especialistas já passaram por cargos políticos na gestão da segurança onde não conseguiram aplicar suas teorias, já que elas tendem a ignorar a  realidade existente e se fundam em leituras e elaborações que há muito são repetidas. 

A crise acusatória contra a polícia no momento, para alguns uma descoberta, decorre de uma pesquisa que indica o baixo número de inquéritos de homicídios encaminhados ao Judiciário. Para os especialistas uma novidade para os profissionais de polícia um velho problema. 

As polícias estaduais, tanto civil quanto militar, possuem um número de servidores que fora previsto para vinte anos atrás. Não há uma reposição regular de pessoal, e quando os concursos são autorizados levam tanto tempo entre a publicação do edital, o curso e a formação que o número de nomeados acaba sendo menor do aqueles com direito a aposentadoria. 

Outro desconhecimento que paira sobre referidos "doutos' é sobre as estruturas policiais que atuam na elucidação desses crimes. Nas cidade do interior não existem policiais com tempo e cursos especializados para investigação de crimes mais complexos. Nas grandes cidades os investigadores de homicídios ficam basicamente lotados nas delegacias especializadas, enquanto os distritos policiais pararam de investigar esses crimes. Há uma grande concentração de casos que ficam parados pela singela falta de pessoal. Singela, nada mais complexo do que isso. 

Desconhecem o não consideram que a atividade de investigação não pode ser executada por qualquer policial. É necessário uma vocação, uma capacitação específica. Trata-se de um trabalho vocacionado que é executado a partir de condições adversas, tanto pela falta de preservação dos locais de crimes quanto pela descontinuidade entre o fato ocorrido e o inicio do trabalho. Sem falar nas carências dos serviços de perícia que, na maioria das Unidades Federadas, também não têm estrutura e pessoal para orientar a investigação. 

Os servidores policiais não têm recebido a valorização e o reconhecimento pelo esforço que fazem. São vítimas também dos nobres estudiosos que inovam afirmando que a polícia "prende mal". É um espetáculo de afirmativa, que deslumbra qualquer um que já foi policial e para aqueles que ainda o são ou querem ser. Prende-se mal. Como? A polícia não prende, ela conduz ao Judiciário que analisa, julga e manda recolher para o cumprimento de pena. E mais, a partir da legislação vigente neste País. Se os presídios estão abarrotados de gente  o estão "por culpa da polícia" que cumpre a Lei. Como então entender nossos especialistas?

Se a polícia não elucida e não prende é incompetentente. Se os presídios estão lotados é porque "prende mal".    

Aposentei-me na polícia civil do Rio Grande do Sul em maio de 2010. Agora estou habilitado na Ordem dos Advogados do Brasil, Seção Rio Grande do Sul e não deveria mais me "insurgir" contra os especialistas. Mas como cidadão, ex-policial e advogado não dá para conviver com essas análises que continuam acusando a polícia como principal causadora de uma crise que tem outras origens. Claro que ela precisa melhorar, que precisa se profissionalizar. Mas também é evidente que mesmo capacitada não vai acabar com o crime.

Vicente Albino Filho, em texto encontrado no site jurisway.org. br, afirma: "A obsessão social pelo crime é traduzida na vida cotidiana, onde até nos momentos de lazer, reservamos grande parte do tempo para assistirmos aos filmes de ação e às matérias relacionadas à violência e criminalidade frequentemente abordadas nos principais telejornais – em horário nobre (Eloá, Cravinhos, etc.).
 Neste cenário, um dos temas mais avaliados por estudiosos da área de segurança, formuladores de políticas públicas, autoridades de governo, acadêmicos especialistas e pelos próprios policiais é a necessidade de profissionalizar a polícia brasileira como um recurso para capacitá-la, visando um desempenho mais eficiente, responsável e efetivo na realização de sua missão. Notadamente, sabe-se que a questão da qualificação não resolverá o problema da segurança da população.
 A questão é mais complexa do que se imagina, tendo em vista que ao levar em consideração as palavras do grande sociólogo Emile Durkheim quando afirmou no início do século passado que: “o crime é um fato normal em qualquer sociedade”. Apesar de óbvia, a afirmação costuma chocar as pessoas que imaginam ser o papel da polícia acabar com o crime.
Entende-se, portanto, que se a polícia auxiliasse na redução drástica dos roubos diários nas grandes metrópoles, e hoje, também nas pequenas cidades, ainda assim, centenas de pessoas seriam vítimas todo dia. Vítimas sempre existirão independentemente da eficiência da polícia, o que se traduz na responsabilidade das pessoas de reduzir as possibilidades de sofrerem algum ato ilícito. Se os aparatos de polícia e justiça não conseguem controlar a criminalidade e sobram pressões de outras condições sociais desfavoráveis, o combate à violência se torna prioridade nas preocupações da sociedade e o mercado da segurança se torna especialmente atrativo para exploração comercial, aqui como em qualquer lugar do mundo.”