PRONASCI - A crise contemporânea na Segurança Pública

“O problema da segurança pública no Brasil não é novo. Um povo, entre o qual a riqueza é mal distribuída e o trabalho mal recompensado, tem quase por certa a constante repetição dos delitos contra a propriedade”.(Criminalidade no Brasil, Virgílio Donnici, 1984, p.152, afirmativa de Tobias Barreto).

Esta constatação, mesmo que sustentada por outros motivos, muito bem poderia ser refeita em 2010, que estaria perfeitamente inserida no atual contexto.

A crise no sistema de segurança pública nacional inicia pela confusão existente entre o conceito de segurança pública e de segurança social. Segundo o dicionário de Koogan/Houaiss, (1992), aprendemos que segurança é o afastamento de todo o perigo. A insegurança então é a possibilidade de dano que sente o indivíduo ao perceber que não está protegido. Depreende-se desse conceito que a insegurança que ameaça a maioria dos cidadãos brasileiros não acontece apenas pela incapacidade da polícia em oferecer segurança, mas por estarem abandonados pelo Estado, já que não acessam as garantias básicas para o exercício de sua cidadania. O que lhes falta, na realidade, é segurança social.

As ações governamentais, há décadas, tentam resolver a violência através da repetição de ações policiais. Donnici, 1992, diz:

“Precisamos no Brasil de uma nova consciência para enfrentar a crescente criminalidade, abandonando o Direito Penal como solução para as desigualdades sociais”.

Claro está que só os gestores políticos não optam por este viés já que este lhes obrigaria admitir que deixaram a sociedade desorganizar-se pela falta de investimentos qualificados que assegurassem qualidade de vida aos cidadãos.

A polícia, neste contexto, que se percebe com recurso extremo do Estado Nacional, agrava ainda mais a crise em decorrência de disputas sobre competência e atribuições entre as Instituições: atuam independentemente “parecendo que elas dão conta de suas atribuições específicas ou têm capacidade de resolver sozinha a questão de segurança” (Revista Tribuna Policial, 2008, p. 12), quando na realidade isso não é verdadeiro.

Policia Civil x Militar

As policias, após o regime militar, além de não se modernizarem, ficaram estigmatizadas pelas ações praticadas a título de exceção e passaram a competir entre si. Jorge da Silva, no livro Controle da Criminalidade e Segurança Pública, afirma que:

“Assim, por mais que se procure demonstrar que os nomes nada têm a ver com as competências e atribuições das duas organizações, por ignorância ou má-fé insiste-se na confusão, em deixar no ar a idéia de que a única diferença entre as duas policiais é que uma é “militar” e a outra é “civil”. E empenha-se a Polícia dita “civil, a judiciária, em patrulhar as ruas (viaturas ostensivas, agora com jaquetas e bonezinhos uniformes – com a inscrição POLÍCIA CIVIL em letras garrafais): e a Polícia dita “militar”, ostensiva, em ações do tipo militar e em tentar apurar crimes consumados. Tudo às avessas! (SILVA, 2003, p, 175)

“Cada força policial opera com suas próprias leis, código disciplinar, regulamentos operacionais e administrativos e métodos de treinamento. A divisão artificial do trabalho entre forças policiais em rivalidade cria a separação burocrática da investigação pela Polícia Civil a partir do acesso imediato as cenas de crime pela Polícia Militar”. José Vicente da Silva Filho e Norman Gall, em Insegurança Pública, Reflexões sobre a criminalidade e a Violência Urbana, (SILVA FILHO e GALL, 2002, p. 209),

“É neste clima de confusão e de atraso que prosperam as soluções fáceis: uma polícia, duas polícias, comando único”; polícia única e civil” (esta frase, aliás, cunhada para o lobby de comunicação social dos delegados junto à Assembléia Nacional Constituinte). Estas soluções, não raro, deixam de responder a quesitos técnicos e de consistência teórica. Antes, respondem a posicionamentos políticos e ideológicos e a preferências pessoais.” Jorge Silva, (2003 p. 195).

Os servidores policiais contribuem para o agravamento do quadro já que se posicionam como donos de um poder que lhes é concedido pelo Estado, ultrapassando os limites da Lei em sua atuação. O professor Bismael Moraes, (2000, p.17) afirma que:

“Por deficiência escolar, omissão dos chefes, desconhecimento dos governantes, ou cultura deformada (pelo cinema, pelas histórias em quadrinhos, pela televisão, pela fantasia de mocinho e bandido) do que seja Segurança Pública, esquecem de que são servidores estatais e que devem agir somente em benefício da coletividade”.

E sendo assim, os cidadãos acabam sendo vitimados duas vezes, uma pelos criminosos e outra pela ineficácia ou incorreção na atuação dos servidores policiais.

“O Brasil – infelizmente – não está preparado para enfrentar o crescimento da violência urbana e do crime organizado. Às polícias falta treinamento, equipamento adequado, salários capazes de frear a corrupção e o envolvimento direto de policiais nas organizações criminosas. O Código Penal é dos anos 40 do século passado. Como lembra o jornalista Fernando Mitre, no jornal da tarde:” O Código Penal é de um tempo em que as maiores ameaças à segurança pública eram a navalha e a capoeira.”(AMORIM, 2003, p. 17)”.

Os textos acima contribuem para a constatação das dificuldades que os gestores públicos tem para pensar uma política que consiga alterar as práticas na segurança. Deparam-se com uma cultura arraigada em instituições organizadas hierarquicamente e com práticas militarizadas.

Segurança Pública e Segurança Social

Quando tratamos de segurança pública estamos discutindo a segurança policial ou a segurança social que necessita o cidadão para o exercício de seus direitos?

O Relatório Mundial de Desenvolvimento Humano, 1994, ao falar de segurança cidadã ou segurança pública faz alusão a uma dimensão mais ampla que a mera sobrevivência física.

“A segurança é uma criação cultural que hoje em dia implica numa forma igualitária (não hierárquica) de sociabilidade, um âmbito compartilhado livremente por todos. Esta forma de trato civilizado representa o fundamento para que cada pessoa possa desdobrar sua subjetividade em interação com os demais. Está em jogo não só a vida da pessoa individual, mas também a da sociedade”.

“Numa sociedade em que se exerce democracia plena, a segurança pública garante a proteção dos direitos individuais e assegura o pleno exercício da cidadania. Neste sentido, a segurança não se contrapõe à liberdade, é condição para o seu exercício, fazendo parte de uma das inúmeras e complexas vias por onde trafega a qualidade de vida dos cidadãos. Quanto mais improvável a disfunção da ordem jurídica, maior o sentimento de segurança entre os cidadãos”, afirma Jairo de Lima Alves, texto na Internet, 2008.

A constatação de que não há clareza em relação ao conceito de segurança pública permite identificar algumas fragilidades e inconsistências para a constituição de uma política: a falta de um conceito predominante que permita uma mudança de práticas; a falta de controle do Estado para com suas forças policiais; e, o distanciamento da comunidade do centro das decisões quando não das discussões. É fato que a maioria dos cidadãos brasileiros sabe que a polícia exauriu seus recursos por tê-los aplicados por décadas sem bons resultados. No entanto também sabem que o único braço do Estado que pode lhes socorrer nessas áreas conflagradas é a polícia. Boa ou má, quando necessário, é o recurso que chega.

Notícias veiculadas em rádios, televisão e jornais, diariamente, informam a falta de estruturas públicas nas comunidades pobres. Com igual intensidade, noticiam o serviço social que a polícia acaba realizando, principalmente o Corpo de Bombeiro Militar. Historicamente as ações de melhoria desses locais são lentas e insuficientes. Certamente, por esta percepção, tem-se o conceito de que a polícia deveria ter mais estrutura e mais equipamentos, não para fazer prevenção, mas para estar fixada nesses territórios e ofertar socorro à população.

Identifica-se, ainda, a inexistência de um sistema de justiça e segurança que aproxime policiais, poder judiciário e sistema prisional. Constata-se que o sistema de segurança pública e judicial é fragmentado e isso permite concordar com a afirmação de que:
“As autoridades públicas não têm muito que fazer quando se trata de reduzir os índices de violência, dado que o manuseio da dinâmica do sistema de justiça criminal não produz efeitos sobre a criminalidade. Haveria uma sobreposição quase que completa das políticas sociais às políticas de segurança pública”. Luis Flávio Sapóri, em Segurança Pública no Brasil, Desafios e Perspectivas, 2007,p. 97, FGV.

Fica transparente que ao não conseguir aferir e demonstrar o resultado de uma ação ou investimento na estrutura policial, o gestor público opta por investir noutras ações como educação, saúde, trabalho, dentre outras, esperando que elas resultem, também, em redução da violência e da criminalidade.

“A temática da segurança pública e dos meios para rime carrega, por sua própria natureza, um forte apelo emocional. Facilmente o medo se converte em caldo de cultura para demandas vingativas e autoritárias, sobretudo quando amplificado pela mídia e manipulado por interesses políticos”, escreve Julita Lemgruber, (2002, p.165, Coleção Policia e Democracia, Vol 2, SSP/RS).
Existe uma duplicidade de interpretação sobre o trabalho da polícia e a amplitude do conceito de segurança pública. A população residente em áreas conflagradas há muito submetida a condições indignas, confunde a insegurança social que vive como falta de segurança policial, que também é escassa. A população melhor aquinhoada, residente em áreas nobres, cobra da polícia maior repressão que lhe garanta tranqüilidade.

Este círculo vicioso de insegurança social, criminal e de violência tem se tornado um flagelo vitimando principalmente jovens.

O “Brasil, em 1940, possuía 8,2 milhões de jovens entre 18 e 24 anos na zona rural. Atualmente, o Brasil tem 35 milhões de jovens vivendo em regiões metropolitanas”. (Julio Jacobo Waiselfisz, Mapa da Violência, 2005, Ritla/Ministério da Justiça, p.179). “O custo econômico da violência é imenso. Os jovens vitimados fazem parte de gangues juvenis e concentram-se nesses bairros e vilas que margeiam as grandes cidades sem nenhuma organização pública. Esta situação gerou um quadro de descontrole social com destaque para o elevado número de homicídios, acentuadamente nessas regiões, onde esses jovens têm sido as vitimas preferenciais, já que, estatisticamente, são os que mais matam e os que mais morrem”.

Diante dessas constatações nota-se a falta de debates mais consistentes sobre Segurança Pública. Ações ampliadas que reduzam as inseguranças dos cidadãos, garantindo uma melhor condição social, garantia de trabalho, estudo, lazer e moradia, desenvolvidos através de políticas públicas que perpassem governos, possivelmente serão fatores determinantes para redução da violência e criminalidade. Apesar de não serem os únicos motivos, a pobreza extrema e a acentuada desigualdade econômica e social alimentam a violência, a corrupção, assim como a falta de credibilidade das Instituições Públicas. Nesse contexto é que surge o PRONASCI.