PRONASCI - Dois anos

Após dois anos debatendo o PRONASCI nas Unidades Federadas e nos Municípios brasileiros pode-se afirmar que na área de segurança pública existe enormes divergências conceituais e procedimentais nas ações praticadas.
Parte dos operadores de segurança e gestores públicos sustenta a visão de segurança pública como um problema de polícia e que será solucionado com o aumento de equipamentos a serem disponibilizados a um número maior de policiais.
Outro segmento, no qual predominam especialistas e representantes da "sociedade organizada", acredita que o sistema policial, judiciário e penitenciário exauriu suas alternativas para mudar o quadro de insegurança que assola o País. Defende maiores investimentos nas áreas sociais, principalmente, saúde, educação e trabalho, como forma de ver reduzida à violência e a criminalidade.

Fica evidenciado que esse debate decorre, principalmente, da limitação conceitual sobre o tema. Enquanto a camada mais pobre da população reclama por políticas públicas sistêmicas que organizem os territórios onde residem, totalmente abandonados pelo poder público, as classes dominantes compreendem que uma atuação mais incisiva da polícia poderia reverter o quadro de insegurança. Apesar disso, ambos, porém, manifestam a crença de que a polícia não modificará o quadro de insegurança reinante.

O dilema a ser superado pelos gestores públicos é aquele que “compreende a dimensão da atividade humana que é percebida como necessitando de intervenção, regulação social e/ou governamental”, afirma Sapóri, 2007. Políticas públicas, de responsabilidade do Estado, devem ser desenvolvidas, de forma sistêmica, para atender as necessidades da comunidade. Isso posto, pode-se acreditar que ações públicas planejadas para atender todas as necessidades dos cidadãos, atingirão seus objetivos a médio e longo prazo. Já as ações isoladas (apenas policiais), como alternativa para reverter o quadro da insegurança pública, estarão fadadas ao insucesso.

Predomina nessas discussões a percepção de que o Estado deve garantir todos os direitos aos cidadãos para que possam usufruir sua cidadania plena. A falta de transporte coletivo, de atendimento público de saúde, de garantia de escolas bem equipadas e com professores em número suficiente e bem preparados, de espaços para práticas esportivas para jovens, dentre outros, reflete no aumento da violência e da criminalidade, principalmente naquelas áreas onde essa ausência estatal é mais acentuada. Milhões de jovens estão abandonados à própria sorte ou à disposição de criminosos e vitimados pelas drogas.

A polícia, por outro lado, que deveria atuar garantindo os direitos de cada indivíduo, muitas vezes opera paralelamente ao crime, ou seja, através de sua ação “de enfrentamento”, aumenta o número de mortes, de crimes e de violência. As polícias disputam entre si, quando não conseguem cumprir minimamente suas atribuições. Enquanto a policia civil aguarda o crime acontecer para atuar, a polícia militar atua como uma força militar que vê no cidadão um potencial inimigo, motivo que faz com que deixe de se relacionar com os cidadãos. Nenhuma dessas instituições atua como deveria na prevenção da criminalidade.

O sistema penitenciário nacional é ineficiente para a recuperação do apenado. Os egressos do sistema prisional, em sua grande maioria, retornam a criminalidade e ao sistema. Presos estão excluídos de qualquer possibilidade reinserção social após o cumprimento de suas penas. Isso pode ser explicado pela afirmativa de Donnici, l984, que:

“... no Brasil as autoridades policiais e judiciais são sempre mais severas para os de condição social inferior do que para a classe superior, especialmente na delinqüência juvenil, havendo na realidade uma tendenciosidade contra a classe pobre e especialmente contra o negro, no que se chama de racismo penal.”

É temerário concordar integralmente com tal afirmativa, mas não podemos descartá-la.

Experimentos internacionais como o da Colômbia e de Nova Iorque serviram para demonstrar que algumas de suas premissas não se sustentaram, porém, outras, como o policiamento comunitário, comprovaram ser eficientes para aproximar os policiais da comunidade e, com esta aproximação, resultados mais satisfatórios acabam sendo atingidos.

A estratégia de segurança pública adotada na capital colombiana mudou a cidade, tradicionalmente conhecida como uma das mais violentas da América Latina. Dentre muitas ações que obtiveram sucesso no programa, se destacou a campanha de desarmamento voluntário, aliado a atuação de repressão ao comércio de armas, investimentos na modernização e profissionalização da polícia, tendo havido uma depuração nas forças policiais e uma política de inclusão social, que previu, inclusive, o atendimento de indivíduos que atuavam no tráfico. Ações essas que motivaram a redução dos níveis de violência.

O PRONASCI, por sua vez, observando a realidade brasileira, não se estruturou apenas por intermédio de ações essencialmente policiais ou sociais. Considerando não existir um ambiente semelhante ao da Colômbia, foi concebido a partir da observação das melhores práticas, mas precisará conquistar o apoio de toda a sociedade se desejar ter sucesso. Esta realidade levou o Ministério da Justiça a propor a pactuação federativa com Estados e Municípios para a execução do programa. Apesar de todas as Unidades Federadas estarem enfrentando gravíssimos problemas de segurança pública, sabe-se que predominam os interesses políticos dos gestores locais acima dos interesses da comunidade. Sendo assim, não encontrará o PRONASCI caminho livre para sua implementação. Este é seu maior desafio.
As Unidades Federadas e os Municípios buscam verbas do programa mas resistem às mudanças sugeridas e a compreensão de que segurança pública não é só uma questão policial.

A adesão dos governadores e prefeitos ao PRONASCI também não é suficiente para que as transformações ocorram. As instituições policiais têm um histórico de autonomia operacional independentemente do governo que as comandam. Essa autonomia lhes oportuniza resistir a qualquer proposta de modificação de condutas operacionais. Estruturadas em hierarquias burocratizadas levarão algum tempo para compreender a necessidade de se verem como um braço do estado que deve atuar na mediação dos conflitos e não como causadores deles.

Os cidadãos, autores ou vitimas da violência e da criminalidade, por outro lado, também necessitam estar envolvidos nesse novo processo de forma que possam exigir dos gestores públicos políticas sistêmicas e capazes de atender as demandas sociais sob sua responsabilidade. Para que isso aconteça, também deverão compreender que a questão de segurança pública não é uma questão só de polícia, mas que passa pela concientização de cada cidadão de forma que saiba que será punido quando exceder os limites da lei.

O PRONASCI, pelo conjunto de proposições que se contrapõe às velhas práticas e pelo grande investimento que faz na modernização e na capacitação dos policiais deve avançar, lentamente, a partir do debate de seus princípios pelos gestores de políticas públicas, operadores policiais e comunidade, É provável que sirva como um balizador para um novo momento, para uma nova proposta, mas dificilmente apresentará resultados em curto espaço de tempo.
A redução dos índices de violência e homicídios, a curto e médio prazos, poderá ocorrer em decorrência de outras tantas políticas públicas que estão sendo realizadas, principalmente àquelas com foco na inclusão. Já resultados diretamente decorrentes das ações PRONASCI serão percebidos quando as corporações policiais iniciarem a modificação de seus procedimentos e concepção operacional, com a conseqüente ruptura com o paradigma existente.

Palavras que podem definir o Pronasci

O Pronasci é o referencial teórico e prático que esta mudando o rumo da Segurança Pública brasileira. Sua aprovação por unanimidade no Congresso Nacional e o interesses manifesto por governadores e prefeitos, demonstra o novo caminho para a Segurança Pública que até então era orientada a partir de ações isoladas e ineficientes, pelas disputas entre União, Estados e municípios imputando ao aparato policial a responsabilidade pela redução dos índices de violência e criminalidade.

O Pronasci tem reconhecimento nacional (operadores e comunidade) por articular os entes federados na reversão dos índices de violência e criminalidade, por propor a modernização e atuação integrada das corporações policiais (estaduais e federais), implementando projetos de recuperação e profissionalização de aprisionados e egressos do sistema prisional, além de financiar projetos de inclusão e assistência a jovens em vulnerabilidade evitando que sejam atraídos e vitimados pelo crime.

O descontrole das ações de violência e de criminalidade no Brasil não decorre de um sistema policial mas de um processo sócio cultural. A reversão desse processo despende ou necessita de um período tempo semelhante aquele que permitiu a crise em que vivemos para a recomposição da tecedura social. Esta recuperação exige um período de compreensão do problema, de aceitação da realidade, de mudanças de procedimentos e de resultados constatáveis que restabeleçam a segurança em níveis aceitáveis. Investimentos consideráveis do Governo Federal com foco no Pronasci e comprometimento dos governos estaduais e municipais para implementar e acelerar as mudanças que ainda são lentas porque condicionadas a mudanças de cultura de parte dos operadores e de gestores públicos que insistem em fazer mais do mesmo.