PRONASCI - Dois Experimentos Internacionais

TOLERÂNCIA ZERO - A experiência americana é trazida para este relato porque serviu de subsídio para a elaboração do PRONASCI. Pretendemos demonstrar que não só no Brasil se fazem experimentos que parecem ter condições de solucionar o problema da violência e da criminalidade. O que necessariamente não se confirma.

O cientista político James Q. Wilson e o psicólogo criminologista George Kelling, em 1982, publicaram na revista Atlantic Monthly um estudo em que estabeleciam uma relação entre desordem e criminalidade. O estudo foi chamado de A Polícia e a Segurança da Comunidade, e eles usaram o exemplo de janelas quebradas para sustentar que a desordem e a criminalidade transformavam para pior uma comunidade. Segundo os autores, se uma janela fosse quebrada e não consertada as pessoas concluiriam que ninguém se importava com aquele estado das coisas e, por isso, se sentiriam atraídos e autorizados para degradar o que ainda restasse.

A teoria sustentava que este abandono propiciado pelo Estado e pela população estaria desvalorizando aquelas localidades, o que deixava aqueles ambientes apenas para criminosas ou desocupados que passavam a residir e controlar essas áreas. A tese dos autores é de as pequenas infrações levavam às práticas criminosas.

No ano de 1990, o número de homicídios em Nova York chegara a 2.262, recorde que marcou a maior onda de violência da cidade. Uma década depois, os homicídios haviam sido reduzidos em mais de 70% e os furtos de veículos e outras categorias de crimes em mais de 50%. O crime continuou caindo: em 2005, foram contabilizados 540 assassinatos. Os administradores de Nova York buscaram de todas as maneiras vincular o programa tolerância zero como sendo o responsável por tal redução, o que, até o presente momento, não conseguiram comprovar.

Em seu artigo publicado no site Jus Navegandi, o Promotor de Justiça Daniel Sperb Rubin, Porto Alegre, 01/2003, que a época da publicação entendia o programa como “uma extraordinária experiência para a redução da criminalidade”, informa que em 1990, o Professor de Ciências Políticas, Wesley Skogan, publicou um estudo baseado em pesquisa na qual 13.000 pessoas residentes em áreas residenciais de Atlanta, Chicago, Houston, Filadelfia, Newark e São Francisco haviam sido entrevistadas. O estudo era intitulado Disorder and Decline: Crime and the Spiral of Decay in America Neighborhoods (Desordem e Declínio: O Crime e a Espiral de Decadência nas Comunidades Americanas) “e confirmava os postulados da broken windows theory. Mas, além disso, afirmava que ”a relação de causalidade entre desordem e criminalidade era mais forte do que a relação entre criminalidade e outras características encontradas em determinadas comunidades, tais como a pobreza ou o fato de a comunidade abrigar uma minoria racial.”

Em 1996, George Kelling e Catherine Coles, lançam o livro sobre a teoria das janelas quebradas “Consertando as Janelas Quebradas – Restaurando a Ordem e Reduzindo o Crime em Nossas Comunidades. Procuram demonstrar a relação de causalidade entre a criminalidade violenta e a não repressão a pequenos delitos e contravenções. Sustentam que “a desordem leva à criminalidade e a falta de enfrentamento aos pequenos delitos e as contravenções, leva à criminalidade violenta.”

Conforme se observa no artigo produzido por William J Bratton e William Andrews, publicado na Primavera de l999, City Journal, encontrado no site Manhattan Institute For Policy Research, traduzido por Nuno Doria Bratton, sustentava que diversos outros motivos propiciaram a redução da criminalidade e não só, como alguns tentavam argumentar a época, as práticas denominadas de Tolerância Zero ou das Janelas Quebradas. Na obra The Crime Drop in América (A Queda do Crime na América), Alfred Blumstein e Joel Wallman, o primeiro Professor Universitário e Diretor da Associação Nacional de Pesquisas sobre a Violência, e o segundo Ph.D pela Universidade de Colúmbia e Bolsista da Fundação Harry Frank Guggenheim, de Nova Iorque (onde faz pesquisas sobre violência e agressão), apresentam um profundo estudo sobre a queda da criminalidade nos EUA nos anos 90. Neste estudo, referido no texto de Daniel Sperb Rubin, ambos concluem que não há uma explicação única para a diminuição da criminalidade verificada nos EUA na década de 90, mas sim uma variedade de fatores, alguns independentes e outros que, interagindo entre si, foram importantes para o resultado final.

A comemorada Tolerância Zero foi definida por muitos críticos, comenta o Promotor Rubin, “como uma política criminal que se prestava para oprimir os pobres, os necessitados e as minorias”, portanto, um grande equívoco como programa público. Sabe-se que os defensores de primeira mão da Tolerância Zero foram reduzindo diante da impossibilidade de vincular a redução da criminalidade àquelas ações implementadas e o gradual aumento da violência policial contra as minorias.


Porém, manter, algumas experiências praticadas no programa Tolerância Zero, demonstrou eficiência e correção com alternativas que podem ter contribuído para o melhor desempenho das ações policiais. O policiamento comunitário é um deles, já que hoje, o Governo Brasileiro tem sinalizado fortemente para que as polícias estaduais deixem de ser reativas e passem prevenir o crime, atuando nas comunidades, interagindo com a população e sempre que possível, mantendo os mesmos policiais nas mesmas regiões.

A análise da ideologia Tolerância Zero permite concluir que a desordem e a ausência de repressão aos pequenos desvios nunca será a causa do aumento da criminalidade. E, não sendo a única causa, não foi apenas à ausência de combate à desordem que fez com que a criminalidade crescesse ininterruptamente durante três décadas nos EUA.

Na obra The Crime Drop in América (A Queda do Crime na América), Alfred Blumstein e Joel Wallman, o primeiro Professor Universitário e Diretor da Associação Nacional de Pesquisas sobre a Violência, e o segundo Ph.D pela Universidade de Colúmbia e Bolsista da Fundação Harry Frank Guggenheim, de Nova Iorque (onde faz pesquisas sobre violência e agressão), apresentam um profundo estudo sobre a queda da criminalidade nos EUA nos anos 90.
“Concluem que não há uma explicação única para a diminuição da criminalidade verificada nos EUA na década de 90, mas sim uma variedade de fatores, alguns independentes, e outros que, interagindo entre si, foram importantes para o resultado final.”

Blumstein e Wallmann, analisando os elementos da queda do crime nos EUA, citam as mudanças com relação ao tráfico de drogas, o incremento da economia, o controle do uso de armas de fogo, o aumento do número dos estabelecimentos prisionais (e das prisões) as alterações demográficas e, por fim, a política de combate ao crime, onde incluem a "tolerância zero" e a importância da comunidade como elementos de combate ao crime.

COLÔMBIA

O Programa desenvolvido em Bogotá, desde 1995, mudou a cidade, tradicionalmente conhecida como uma das mais violentas da América Latina. Com a realização de campanhas pedagógicas e de desarmamento voluntário, investiu na modernização e profissionalização da política e com uma política de inclusão. Essas campanhas envolveram todos os indivíduos de tal forma que necessitaram modificar sua relação com a cidade. O programa denominado “Mision Bogota” atuou fortemente no desenvolvimento do espírito de cidadania que passou a ser o referencial para a conduta dos cidadãos daquela capital. As palavras que sintetizam este programa “abrazo, convivência, confianza, protección, seguridad y convivência”, encontradas na cartilha Estratégias para construir Ciudadania, Memórias del abrazo amarillo, 2004/2005, publicado pela Alcaldía Mayor de Bogotá D.C., permite compreender que o enfrentamento da violência passou, também, a ser realizado pela mudança da relação dos cidadãos com sua cidade.

Em Bogotá, o número de homicídios por grupo de cem mil habitantes caiu de 70, em 1994, para 24, em 2003 - no Brasil, a média é de 30 homicídios para cada cem mil habitantes e, na Argentina, a taxa está entre 10 e 15.

Questão de saúde pública

"As últimas administrações têm abordado a violência como um problema de saúde pública", diz Teófilo Vásquez, sociólogo do Centro de Investigação e Educação Popular (Cinep). "A concepção de segurança foi ampliada e hoje é muito mais integrada”.

Segundo Vasquez, “ao contrário de outras cidades colombianas, Bogotá tem uma política de segurança que vai além do financiamento ao aparato de repressão”. De acordo com o sociólogo, há um entendimento de que o problema da segurança não é apenas policial e militar, é também social, político, econômico e cultural.

As lições da Colômbia para o Brasil

O país historicamente estava associado a confrontos armados e alianças entre narcotráfico. Em pouco mais de uma década reduziu seus índices drasticamente. Bogotá e Medelin tem sido motivo de orgulho para sua população e tem recebido políticos, policiais e sociólogos do mundo todo para analisar suas ações, e lá encontram um policiamento maciço que recebe o apoio da população pela forma como atuam os policiais. Em 1992, só 17% dos colombianos confiavam na polícia. Segundo reportagem da revista Época, Ag. Glogo, site na internet, atualmente 75% da população acredita na polícia.

Os moradores de Bogotá passaram a dispor de uma cidade organizada em que a base do transporte coletivo é feita por uma rede de transporte articulado e podem passear nas alamedas e parques que antes eram depósitos de lixo. As bibliotecas, espalhadas pelas cidades oferecem cultura, cinema e teatro de graça. Assim também acontece com Medellín que ficou conhecida pela ação criminosa do cartel de Pablo Escobar, morto em 1993. No topo de uma favela antes violenta, chamada Santo Domingo, circula um teleférico que atende toda a comunidade com um transporte digno.

Policiamento Comunitário

A prevenção do crime deve ocorrer através de ações preventivas da polícia. O policial deve conhecer a área que atua e os moradores e indivíduos que, normalmente, freqüentam os locais por ele policiados. Este é um dos fundamentos que permanece da teoria da broken windows theory.
“O policial deve fazer parte da comunidade, entranhar-se na comunidade, e lidar com as condições que criam o crime (desordens de todo o tipo, embriaguez pública, jogos ilegais, etc.)”. Desenvolve uma relação com a comunidade, e este vínculo, favorece o não surgimento da violência e da criminalidade. Afirmam que, “se algum traficante tenta imiscuir-se naquela comunidade, tanto a comunidade como a polícia podem imediatamente identificá-lo, e unindo forças, expulsá-lo de lá, ou mesmo prendê-lo, se o mesmo for apanhado no exercício do tráfico.”

O policiamento comunitário, portanto, é fundamental na prevenção do crime. A presença física do agente policial na comunidade inibe a desordem e a criminalidade. Neste sentido, Kelling e Coles são defensores do "foot patrol", ou seja, “do patrulhamento a pé, da figura do agente policial que percorre a pé as ruas do bairro, muito mais eficaz, do ponto de vista da prevenção, do que dos agentes policiais motorizados, que nada mais fazem do que circularem de carro”.

Em estudo sob o título "Policiamento Comunitário e Controle sobre a Polícia – a experiência norte-americana", Theodomiro Dias Neto, Mestre em Direito pela Universidade de Wisconsin (EUA) e Doutorando em Direito pela Universidade do Sarre (Alemanha), citado no artigo de Rubin, afirma que:
“O debate contemporâneo na área policial gira em torno de como viabilizar a parceria entre polícia e comunidade na tarefa de prevenção ao crime, informando que a proposta é um estilo diferenciado de policiamento, caracterizado por: 1) uma concepção mais ampla da função policial que abrange a variedade de situações não-criminais que levam o público a invocar a presença da polícia; 2) descentralização dos procedimentos de planejamento e prestação de serviços para que as prioridades e estratégias policiais sejam definidas de acordo com as especificidades de cada localidade; 3) maior interação entre policiais e cidadãos, visando ao estabelecimento de uma relação de confiança e cooperação mútua”.

Portanto, por esta rápida análise, vê-se que a teoria das janelas quebradas, assim como tantas ações que são praticadas no Brasil, em determinados momentos são comemoradas como soluções milagrosas que teriam capacidade de solucionar e explicar a questão da violência e da criminalidade. Mas, passado o primeiro momento, percebe-se qualidades, mas não suficientes para, por si só, solucionar problema tão complexo. Neste caso, o que fica como avanço, é a prática do policiamento comunitário que modifica a conduta da polícia permitindo que a comunidade possa interagir na busca de soluções para a redução das ações criminosas em seus territórios.