A hipocrisia que predomina no
Brasil sobre as formas de redução dos crimes praticados ao volante tem se
prestado para aumentar o número de mortes. Para alimentar noticiários sangrentos, editoriais repetitivos, programas para distrair criancinhas que não tem idade para dirigir e são mortas acompanhando o pai motorista e tantas outras campanhas que não apresentam resultado algum.  
Nada contém ou reduz a ferocidade dos
motoristas. Montados em seus veículos, novos ou velhos, em bom estado de
conservação ou caindo aos pedaços, tranformam-se em estúpidos e criminosos. Suas
máquinas, frágeis iguais a papel, lhes transferem o poder de ofender, agredir,
ter pressa e se matar. 
Houvesse vontade governamental para
acabar com essa matança, se os legisladores não estivessem pensando em si e nos
seus, aos motoristas seria estipulado pena administrativa de perda compulsória
do direito de dirigir quando da ocorrência de crimes com lesões graves ou
mortes, para os quais concorrerem de forma culposa ou dolosa. 
Ridícula a medida de aumento sobre os
valores das multas. Mais ainda o esforço policial que leva esses acusados para
as delegacias de onde antes do próprio policial. No Judiciário, o acusado
precisa fazer muita força para conseguir ser punido. Do contrário é absolvido
em troca de algumas cestas econômicas.
Existisse a pena de cassação
administrativa compulsória do direito de dirigir, certamente, os motoristas
iriam pensar de outra forma. Não correriam tantos riscos e ainda evitariam de
oferecer uma graninha ao guarda. 
Se o individuo deseja acabar com sua vida o problema é dele. Mas é
problema do Estado quando esse mesmo suicida põe em risco a vida dos outros.
Tem que eliminar, definitivamente, este risco das ruas.
 
"Os motivos determinantes da "cassação da Carteira Nacional de Habilitação", por sua vez,  estão discriminados no artigo 263 do CTB:
Art. 263 - A cassação do documento de  habilitação    dar-se-á:
I - quando, suspenso o direito de dirigir,  o infrator conduzir qualquer  veículo;
  II - no caso de  reincidência, no prazo de doze meses, das infrações   previstas no inciso III do art. 162 e nos arts. 163,  164, 165, 173, 174 e 175;
  III - quando condenado judicialmente por delito de  trânsito, observado o  disposto no art. 160."
 
"A primeira observação a se fazer é que tanto a  concessão quanto a retirada do documento de habilitação, por parte do Poder  público, constituem ATOS ADMINISTRATIVOS e, assim,  sob este prisma devem ser estudados, para a perfeita  compreensão dos institutos.
 
Ato administrativo, nos dizeres de Hely Lopes Meirelles, é toda manifestação unilateral de vontade da Administração  pública que, agindo nessa qualidade, tenha por fim  imediato adquirir, resguardar, transferir, modificar, extinguir e declarar direitos, ou impor obrigações aos administrados ou a si  própria. 
 
Alguns autores preferem não utilizar  a expressão "manifestação de vontade", para que não se transmita a falsa idéia de que o Poder público possui vontade própria, independente do  texto legal, já que, na verdade, os atos  administrativos devem tão somente dar cumprimento ao que se encontra expressamente previsto na lei.Assim,  destaco o conceito mais contemporâneo, de Celso Antônio Bandeira de Mello,  segundo quem ato administrativo é a declaração do  Estado (ou dequem lhe faça as vezes, como, por exemplo, um concessionário de serviço público), no exercício de prerrogativas públicas, manifestada mediante providências jurídicas complementares da  lei a título de lhe dar cumprimento, e sujeitas a  controle de legitimidade por órgão jurisdicional. 
 
De uma forma bem simples, podemos dizer que os  atos administrativos são providências adotadas pela Administração pública, com repercussão nos direitos das pessoas  (como é o caso do que,  didaticamente, estou denominando de concessão e retirada do documento de  habilitação).
 
A fundamentação jurídica e conceitual que ora  apresento é extremamente importante para o deslinde  da questão, em especial para afastar a concepção de que existe um DIREITO DE DIRIGIR (como sugere o equivocado nome da penalidade,  utilizado pelo CTB), tendo em vista que não se pode  comparar o ato de dirigir,  sujeito à aprovação estatal, com os direitos  inalienáveis e próprios da existência humana, como o direito à vida, à liberdade e à igualdade. 
 
A rigor,  trata-se aqui de um direito que pode surgir ou não, a depender da comprovação de que o interessado cumpriu todos  os requisitos necessários para o seu exercício. A  este respeito, aponta Cássio Mattos Honorato que, em  alguns países, utiliza-se a palavra "privilégio", em vez de "direito", justamente para  destacar a fragilidade da situação jurídica a que faz  jus o condutor de veículo automotor. 
 
Diferentemente, pois, dos direitos e garantias fundamentais (protegidos constitucionalmente, pelo  artigo 5º da CF/88), o direito subjetivo de conduzir  veículos automotores depende de uma permissão estatal, mercê do cumprimento, por  parte do interessado, de determinados requisitos legais, desde os pressupostos  iniciais constantes do artigo 140 do CTB (ser penalmente imputável; saber ler e  escrever; possuir Carteira de identidade ou equivalente), até a comprovação de  realização de todo o processo de formação de condutores, estabelecido no  Capítulo XIV do CTB e complementado pela Resolução do CONTRAN n. 168/04.
 
Destarte, verificando-se a atuação estatal no processo de formação de  condutores, concernente às competências atribuídas aos órgãos do Sistema Nacional de Trânsito, em especial  ao DENATRAN e aos órgãos e entidades executivos de trânsito dos Estados e  Distrito Federal (artigos 19, VII e 22, II, do CTB), e considerando a doutrina jurídica sobre os atos  administrativos, lícito concluir que a concessão do  documento de habilitação nada mais é do que um ATO  ADMINISTRATIVO NEGOCIAL (denominação utilizada por alguns  autores de Direito administrativo, para  se referirem aos atos que se originam da conciliação  entre a ação estatal e os interesses particulares do  indivíduo atingido), da espécie LICENÇA, modalidade de ato  administrativo que, diferentemente da autorização,  reveste-se de uma obrigatoriedade de emissão, pelo Estado, quando cumpridas todas as exigênciaslegais. 
 
É por este motivo que se condena, do ponto de  vista acadêmico, a utilização da expressão "suspensão do direito dedirigir", para  se referir à uma decisão administrativa que, juridicamente, não suspende um direito, mas tem como objetivo o "cancelamento" de uma licença  concedida anteriormente, da mesma maneira que ocorre, por exemplo, com a extinção de uma licença  concedida parao funcionamento de uma banca de jornal,  no município.
 
Assim, tanto a "suspensão do direito de dirigir", quanto a  "cassação do documento de habilitação" podem ser classificadas,  doutrinariamente, como uma mesma espécie de extinção do ato administrativo,  denominada, justamente, CASSAÇÃO, que pode ser conceituada como "a retirada de ato  administrativo anterior, por ter o seu beneficiário descumprido condição indispensável para a sua manutenção".
 
Desta forma, aplicando-se as lições de Direito administrativo ao contexto do trânsito, não é de  todo errado atribuir o nome de CASSAÇÃO ao ato  punitivo que, extinguindo a licença concedida, proíbe  um condutor, definitiva ou temporariamente, de dirigir veículos automotores." 
Excerto do texto de ARAUJO, Julyver Modesto de.         Quando se perde o direito de dirigir.  Diferenças entre suspensão e cassação. Jus Navigandi, Teresina,       ano 15,       n.  2476,       12 abr.2010    .