"Três poderes dependentes"

Transcrito do Terra Magazine - 2 de abril de 2012 - Cláudio Lembo

"O noticiário da vida pública nacional é estarrecedor. Todos os dias -sem qualquer pausa - surgem novos escândalos. É cenário apocalíptico. Ninguém se salva.
Em matéria de igualitarismo, chegamos a um ponto comum. Todos são igualmente pecadores. Uns mais, outros menos. Todos um pouco. Há um caldo cultural a envolver toda a coletividade.
Certamente, alguns protestarão. Comigo não. Sou honesto! Será? Quem nunca violou um sinal vermelho de trânsito como motorista ou pedestre? A resposta negativa será rara.

As pequenas e as grandes infrações indicam, apesar dos múltiplos graus, fragilidade moral, ou a mesma doença que envolve toda a sociedade: a corrupção dos valores estabelecidos.

É lamentável a presença de senadores, deputados, magistrados e membros do Executivo em assuntos dúbios, isto quando não marcados pela criminalidade.

As explicações para este estado de coisas são muitas. O consumismo torna as pessoas insensíveis aos valores morais. O que vale é possuir. Depender. Ostentar.
Já não importa o velho conceito de honra. Ninguém mais está preocupado em se mostrar integro. O importante é oferecer uma imagem de vitorioso.

Ora, esta situação avassaladora encontrou uma sociedade acostumada a se orientar pelo padre, pelo juiz ou pelo delegado. Assim era em qualquer pequena cidade do interior do País.
Hoje, as autoridades perderam a compostura. Todas dançaram, literalmente ou de maneira figurada. Um horror. Um dos elementos desta degradação dos costumes é a promiscuidade.
Já não se diferencia o professor do mau aluno. A figura paterna do companheiro de bar. O santo do iconoclasta. A uma igualdade não ausência de parâmetros e valores.
Vale tudo. Este cenário amargo - nem sempre captado - leva a exigência de se examinar as áreas mais sensíveis ao desregramento em curso.
Tome-se Brasília - a que um dia foi cidade esperança - e nota-se que os poderes do Estado, tão cantados pelos constitucionalistas, que devem ser independentes, mostram-se entrelaçados por vínculos ocultos. A bela imagem plástica da Praça dos Três Poderes aponta para uma anomalia pouco visível. O excesso de proximidade entre o Executivo, Legislativo e Judiciário.
Bastam alguns passos e todos se encontram. Nas cerimônias e nas festas sociais, os integrantes de cada Poder cruzam com o membro de outro. Tornam-se todos amigos. Amizade leva à intimidade.
A intimidade, por sua vez, conduz a situação de provável promiscuidade e ideias e objetivos. A isenção deixa de existir e a troca de favores torna-se constante.

Os construtores de Brasília tiveram a melhor das intenções. Desejaram os Poderes da República próximos uns dos outros. Erraram. Deviam, neste ponto, ter refletido sobre o exemplo da Alemanha.
Os alemães, cujo Direito Constitucional é tão admirados por alguns doutrinadores pátrios, conceberam duas capitais para a sua república Federal.
Berlim é a capital administrativa enquanto Karlsruhe é o centro do Judiciário, onde se localiza o Tribunal Constitucional Federal. A Corte maior não se imiscuiu no dia-a-dia do Legislativo e do Executivo.
Coloca-se o Tribunal Constitucional à distância e assim pode julgar sem continuas interferências ou inoportunas presenças de interessados ou lobistas contumazes. Em Brasilia, ao contrário, tudo é promiscuo. Todos se encontram com todos. Uma miscelânea. Uma geleia geral." Cláudio Lembo é advogado e professor universitário. Foi vice-governador do Estado de São Paulo de 2003 a março de 2006, quando assumiu como governador.

Blog: não há como discordar desta análise. Não serão a filiações partidárias que nos isentarão dessa cultura e dessas práticas.